Amanhã é Natal. E hoje, este pastifício compartilha com seus amigos uma linda receita. Não para a ceia, pois para esta, cada um tem a sua. Mas uma escrita por Sérgio Porto, para a revista Manchete, há mais de cinquenta anos. Que deixa a vida mais suave...
Certas Esperanças
(Sérgio Porto)
             É preciso — é mais do que preciso, é forçoso — dar boas festas, trocar             embrulhinhos, querer mais intensamente, oferecer com mais prodigalidade, manter o sorriso             e, acima de tudo, esquecer tristezas e saudades.                            Façamos um supremo esforço para lembrar e sermos lembrados, porque assim manda a             tradição e é difícil esquecer à tradição. Enviemos cartões e telegramas de             felicitações àqueles que amamos e também àqueles que — sabemos perfeitamente             — não gostam da gente. O Correio, nesta época do ano, finge-se de eficiente e já             lá tem prontos impressos para que desejemos coisas boas aos outros, nivelando a todos em             nossos augúrios.
                            Depois de abraçar e ser abraçado, desejar sincera e indiferentemente, embrulhar e             desembrulhar presentes, cada um poderá fazer votos a si mesmo, desejar para si o que bem             entender. Subindo na escala das idades, este sonhou todo o mês com um trenzinho             elétrico, aquele com uma bicicleta (com farol e tudo), o outro certa moça, mais além um             quarto sonhador esteve a remoer a idéia de ser ministro e o rico... bem, o rico só pensa             em ser mais rico. O rico detesta amistosamente os ministros, já não tem olhos para a             graça da moça, pernas para pedalar uma bicicleta e, muito menos, tempo para brincar com             um trenzinho.
Dos planos de cada um, pouquíssimos serão             transformados em realidade. Alguns hão de abandoná-los por desleixo e a maioria, mal o             ano de 56 começar, não pensará mais nele, por pura desesperança. O melhor, portanto,             é não fazer planos. Desejar somente, posto que isso sim, é humano e acalentador.
     
         De minha parte estou disposto a esquecer todas as passadas amarguras, tudo que o destino             me arranjou de ruim neste ano que finda. Ficarei somente com as lembranças do que me foi             grato e me foi bom.
     
         No mais, desejarei ficar como estou porque, se não é o que há de melhor, também não             é tão ruim assim e, tudo somado, ficaram gratas alegrias. Que Deus me proporcione as             coisas que sempre me foram gratas e que — Ele sabe — não chegam a fazer de mim             um ambicioso.
     
         Que não me falte aquele almoço honesto dos sábados (único almoço comível na semana),             com aquele feijão que só a negra Almira sabe fazer; que não me falte o arroz e a             cerveja — é muito importante a cerveja, meu Deus! —, como é importante manter             em dia o ordenado da Almira.
     
         Se não me for dado comparecer             às grandes noites de gala, que fazer? Resta-me o melhor, afinal, que é esticar de vez em             quando por aí, transformando em festa uma noite que poderia ser de sono.
                       E para os pequenos gostos pessoais, que me reste             sensibilidade bastante para entretê-las. Ai de mim se começo a não achar mais graça             nos pequenos gostos pessoais. Que o perfume do sabonete, no banho matinal, seja sempre             violeta; que haja um cigarro forte para depois do café; uma camisa limpa para vestir; um             terno que pode não ser novo, mas que também não esteja amarrotado. Uma vez ou outra,             acredito que não me fará mal um filme da Lollobrigida, nem um uísque com gelo ou —             digamos — uma valsa.
     
         Nada de coisas impossíveis para que a vida possa ser mais bem vivida. Apenas uma praia             para janeiro, uma fantasia para fevereiro, um conhaque para junho, um livro para agosto e             as mesmas vontades para dezembro.
     
         No mais, continuarei a manter certas esperanças inconfessáveis porém passíveis —             e quanto — de acontecerem.
             Publicada na revista "Manchete" nº. 193, de 31/12/55.

Sérgio Porto, suas filhas e certas esperanças...