Quando criança, ir para o litoral era coisa para
profissional. Não tinha essa de ficar se refastelando no sol à espera do
bronzeado perfeito que se vai após alguns dias. Nossas escolhas eram a de quem
fará qual das atividades lideradas pelo pai, entre elas fisgar peixes com os
anzóis das longas linhas saídas dos molinetes; colher mariscos das pedras ou,
quem sabe, manusear os puçás pra que voltassem repletos de siris. Como opção, também
tinha a caça às rãs das madrugadas. Para tanto, a trupe toda, com a cozinha –
na maior parte dos anos assim vividos – era liderada pela vó Maria e pela mãe. Essa
etapa consistia, além do rango para alimentar perto de 10 pessoas, contando as
cerca de 8h de grandes emoções vividas à beira mar, a limpeza e preparo dos anfíbios,
as iscas de massinha para a pesca mais a conservação das carcaças de peixes
dedicadas aos siris.
Simples arcos de ferros que amparavam pequenas redes,
com a isca no fundo, os puçás sobrevivem aos dias de hoje, podendo ser adquiridos
em quaisquer lojas de pesca. Naquele tempo, eram feitos pelo pai, nosso eterno
herói.
Àquela época nunca imaginava como eram preparadas as
casquinhas de siri, que, por vezes, víamos circular em corredores dos restaurantes
onde devorávamos batatas fritas. Mas eram as de verdade. Não as processadas,
pequenas porções de massas de batatas boiando em gordura.
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Bolinho de siri |
Mas, voltando aos
siris, anos depois – já nas alquimias dos panelões -, mais descobertas resultantes de pesquisas feitas na Paulicéia. Ainda longe dos experimentos (custosos à época), mas assídua de cardápios, livros, revistas e crônicas.....descobri as Desfiaderas de Siri.
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Dona Lenir de Oliveira Ceron, 60anos, 52 dedicados à profissão |
A carne de siri pura, com alguns nacos de
casquinhas, sim. Depois, vieram o antepasto de siri; os mini-bolinhos de siri;
o arroz de siri, preparado com a carne dos ‘bichos mais a carcaça, quando se trata de siri-mole (siri-azul), entre outros.
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Pastel de siri |
Pastel de siri mais Siri Picante - Do lado de cá dos Açores
Desta feita, ao lado de minha amada amiga Maria de
Zimbros (Taís, da Pousada Zimbros), viciada de época nos crustáceos, fizemos
uma verdadeira degustação de siri. Para o preparo, alho, cebola, cerca de 1 kg
de tomates-cereja da horta da Taís, mais duas pimentas dedo-de-moça da minha
horta, de Curitiba para Zimbros. Verde, muito verde (cebolinha e salsinha picadas). Para acompanhar, pão de
centeio feito por ela. No outro dia, logo cedo, o preparo de 'siri picante' que restou viajou e se tornou recheio
de pastel, de massa já adquirida pronta, mas frita com todo louvor.
Cinco quilos de siri, bem trabalhados, rende um quilo de carne pura
A iguaria limpa à perfeição é resultado de árduo e moroso trabalho de famílias inteiras, que se dedicam à atividade, com extrema perícia. A desfiadeira Lenir de Oliveira Ceron, 60 anos - 52 deles dedicados à profissão, exerce com extrema habilidade, sempre com um sorriso no rosto, a 'limpa dos bichos', que representa o que há de mais autêntico da cultura açoriana na gastronomia do estado. “Em média, cinco quilos de siri, bem trabalhados, rende um quilo de carne pura, praticamente sem casquinha (resíduos da carapaça do crustáceo). Se a tarefa for feita com dedicação, capricho e habilidade, pode ser realizada em uma hora”, detalha Lenir, que tem como ajudantes seus filhos (sete) e o marido. As mulheres desfiam e os homens catam, com o puçá, todos os dia do ano. A exemplo de outros frutos do mar, o siri é muito perecível. "Para garantir a qualidade do produto final, coloco na panela os que chegam vivos e cozinho até dar o ponto. Depois, o próximo passo é lavar em água corrente e colocá-los imediatamente no gelo".Só depois de frios, os crustáceos começam a ser desfiados.
Siri cozido no próprio caldo
O siri Candeia* (crustáceo abundante do verão, nas águas de SC) é o mais apropriado para ser degustado naco por naco, já que tem muita carne nas patolas e as carcaças podem ser mordidas inteiras. Como tínhamos um bocado de Candeia fresco separamos quatro 'bichos' para cada pessoa. Numa panela alta, colocamos cebolas, alho-poró em lâminas, alho, sal, pimenta fresca e verde. Depois de 15 min. de cocção, com a panela tampada, acrescentamos uma lata de cerveja e cozinhamos mais 20 minutos. Reza a lenda que a cerveja colabora com a retirada da carne das carapaças. Lenda é lenda. Então, sigo à risca. Resultado da cerveja ou não, a carne saiu facilmente.