sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Frida...

Essa noite a pizza não teve o mesmo sabor. E, sinceramente, acho que nunca mais terá. Afinal, pela primeira vez em muitos anos, não tivemos que dividi-la com nossa querida companheira, parceira de todas as aventuras e receitas já postadas nesse blog, a mais que amada Frida. Partiu hoje a tarde, deixando uma saudade imensa, que jamais será preenchida por qualquer outro ser desta ou de outra vida. Durma em paz, Principessa.
'Principessa' Frida admirando o mar, em junho deste ano. Compartilhou  todos os momentos das minhas férias em Zimbros.

Rua Mila ( Carlos Heitor Cony) 
01/10/1995
RIO DE JANEIRO - Ontem fez quatro meses que perdi Mila. Fui ao armário onde guardo suas lembranças, mexi em papéis, o pedaço de tapete que ela roeu quando tinha cinco meses — era o único luxo da casa, comprado no mais fundo Oriente. O tapete acabou ficando para ela e foi nele que ela viveu seus últimos instantes.
De um envelope caiu a foto, tirada em Varsóvia, a placa da Rua Mila, rua que não existe mais. Eu tinha ido a Polônia a trabalho, quis saber onde ficara o gueto que resistira aos nazistas. As autoridades daquele tempo não apreciavam a curiosidade ocidental a respeito de certos assuntos, mesmo assim me levaram a Rua Mila.
Ela havia sido arrasada, casa por casa, pedra por pedra, pelos nazistas que massacraram o povo que ali vivia. Ao libertarem a cidade, os russos reconstruiram apenas o lado esquerdo, a fim de que não houvesse um número 18 naquele local — que se transformara no centro da resistência do gueto.
Procurei o número 18. Não o encontrando, limitei-me a fotografar a placa azul da rua, numa parede cenográfica, pois ninguém parecia morar nela. Os russos têm fama de superticiosos, não iriam ressuscitar o endereço que tinha, atrás de si, um passado de luta e liberdade.
Semanas depois, aqui no Rio, eu estava segurando essa foto para paginar uma crônica quando recebi uma cestinha de pão. Dentro dela, pão gordinho e quente, saído do forno, vinha aquela que seria minha companheira mais que amada. Não tinha nome, embora tivesse pedigree.
Precisava dar um nome aquilo. Ainda era "aquilo". Logo seria aquela a quem eu mais amaria neste mundo. Eu segurava a foto, reparava o nome em letras brancas no fundo azul. De repente, vi que Mila era mais do que uma rua distante numa cidade que nada tinha a ver comigo.
Coloquei minha mão em cima de sua cabecinha, ainda pouco maior do que uma bola de tênis. Chamei-a de Mila. E descobri como era macia aquela amiguinha que me chegava numa cesta de pão — pão quentinho que, nos 13 anos que se seguiram, alimentaria minha fome e aqueceria minha mão.

5 comentários:

Fabiano Dalla Bona disse...

Fiquei tristíssimo com a notícia, e me lembrei de uma linda foto que temos juntos na cozinha do apartamento sa Sarutaiá...muita saudade

Pastifício dell'amore disse...

Valeu querido, lembrei muito de você ontem, ela adorava você. beijo, felipones

Maga disse...

Queridos Felipe e Josi...fiquei sem acreditar...e pensando como será sem a querida Frida que com o seu jeito tranquilo de ser...mas voces tem muitas lembranças com ela, beijos

Jô Bibas disse...

Haja coração...

Andre Botelho disse...

Amigos, é uma dor aguda daquelas que doem e que não páram de doer nunca, mas a gente se acostuma com ela.

Vez em quando a gente se lembra e dá aquele vazio, mas nossa existência é isso: ciclos de vida e morte, existência e renovação.